Marcos Pereira on-line

01 novembro 2004

Era uma vez, na América do Norte – Capítulo III - Voltando à sala de aula


A aula inaugural do curso foi “conversação e gramática” (“oral skills and grammar”). O professor era o Bruce Thonson, gente boníssima. O professor desta matéria, na UCC, é o encarregado de acompanhar os alunos mais de perto, uma espécie de conselheiro. Melhor professor para cuidar dos “international students” impossível. Eu ficava impressionado com os malabarismos verbais dos quais ele se utilizava para traduzir, pacientemente, termos do inglês coloquial, deles, para o inglês acessível a nós, meros estudantes estrangeiros intermediários. No período da tarde as aulas alternavam entre leitura (reading) e redação (writing), durante os dias da semana. O professor de leitura era o Brian, a gentileza em pessoa, gestos suaves e voz pausada. Na primeira aula ele nos brindou com um texto extraído de um romance do Ernst Hemingway. Adorei; aliás finalizei o curso com “A+” nesta matéria (e “A” nas demais , puta CDF!). O susto veio mesmo na aula de redação. O teacher era um escocês baixinho, cabelo avermelhado, com dois chumaços caoticamente espichados para os lados, separados por um vale escasso de fios capilares. Visualmente parecia ter parentesco com o Bozo. A primeira impressão era a de um professor ditador. Eu não entendia lhufas do que Mr. Jim Willie falava – lamentei o fato de ainda não terem inventado a tecla SAP para seres humanos. Naquela primeira aula de redação bateu uma sensação de deslocamento no tempo e no espaço. O que eu fazia em terras tão longínquas, “so far away and alone”? Aos poucos fui recuperando a persona estudante, que há anos adormecia nos labirintos mais escondidos do meu ser (enquanto humano, mano!).

Cada um com o seu jeito peculiar, todos os professores foram importantes. Mas, Mr. Willie fez a diferença, como professor e pessoa. Ele falava pelos cotovelos; era comum eu entrar em órbita durante as explanações do mestre e minha mente divagava voando longe, longe. Certa feita (“good transiction”, diria ele), numa destas viagens, ele me fez uma pergunta à queima roupa e eu só peguei o finalzinho: “who, Marcos?” (“quem, Marcos?”). “Sorry, what is the question?” (“Desculpe, qual a pergunta?”), eu perguntei. Ele mesmo respondeu e a refez em tom de repreensão: “Pelé! Who is the king of the soccer, I asked you!” (“Pelé! Quem é o rei do futebol, eu perguntei!”). Nada mais simpático do que endereçar uma pergunta sobre futebol ao único representante brasileiro da classe. Pena que eu estava em Órion! A bronca foi de brincadeira. Na verdade, ele incorporava um personagem que satirizava a relação entre o professor todo-poderoso e o aluno indefeso, ante ao autoritarismo institucionalizado nas escolas (“We don´t need no education / We don´t need no thought control”). Ainda sobre Mr. Willie, lembro de uma atividade em grupo que consistia em treinar a associação imagem/texto. Cada um do grupo deveria escrever sobre uma imagem sugerida. Para o meu grupo, a imagem escolhida foi a de um garoto alimentando pombos. Comecei escrevendo umas palavras tão meigas, mas achei tão chabi, que no final não me contive e complementei que a cena do garoto insinuava uma atitude ecologicamente correta. Esta frase soava (e era, de fato) irônica no contexto poético na qual estava inserida. Quando ele leu aquilo, sorriu e apenas ordenou: “take this off” (tira isso). Devo muito a ele no sentido de resgatar em mim algo que estava perdido: a vontade e o prazer de escrever (dá pra notar!) . Mais que escrever em inglês, ele apontava para um caminho com maiores possibilidades. Independentemente da língua, a estrutura de um texto obedece a alguns princípios e coerências semânticas e estéticas (lógica, coesão, conexão de idéias, etc). Para se chegar a um bom texto é necessário treino e dedicação; a boa escrita não cai do céu. Claro que alguns ingredientes tais como inspiração, criatividade, ritmo, fluidez e estilística são imprescindíveis. Nestas horas, um professor de verdade, comprometido com a sua missão de educador, é fundamental para despertar o interesse do aluno. Thanks, teacher!

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