Marcos Pereira on-line

19 janeiro 2018

Meio Século - ato 1 de 3 - Eu e meus heterônimos




Gostava da máxima budista da tia Billiki: "felicidade não existe / o que existe na vida são momentos felizes.". Até descobrir que estes são versos roubados de uma música do Odair José. A tia Billiki é uma fraude! Mas eu gosto (e muito) dela mesmo assim. Hoje, sigo a definição perfeita de tristeza e felicidade, do Confete. Não poderia ser mais concisa e precisa: 

"Tristeza é 'Huuummm' e felicidade é háháhá'". 
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E se aproximava o momento da minha apresentação ao grupo. O que falar de mim? Profissão, idade, naturalidade? Naturalidade, sim. Optei por ser natural e fugir do script previsível destas situações. Falei que, mentalmente, tentava formar um mosaico, um arco de eventos que me levaram até ali. Ou seja, quantas decisões, acasos, imponderáveis, imprevistos; quantas rotações e translações da Terra foram necessárias para eu estar naquela sala com outras pessoas que também passaram pelos seus processos de vida.

Naquele momento, interseções de vidas deram 'match' e uma nova história começava. Então, proferi uma apoteótica frase-pérola-clichê: "vida é fluxo!". Fez-me um destempo. Eu me silenciei e a classe junto. Lacrei, amigx! Eu consegui ser eu!

Esta pequena reflexão introdutório-filosófica-de-boteko ecoa nesta data querida (,muitas felicidades, muitos anos [lacrantes] de vida!). Num espectro mais amplo, de uma vida, a pergunta insiste em não querer calar: como é que eu cheguei até aqui, aos 50? Tipo-assim, com a voz de um Cid Moreira lendo a Bíblia, em verdade vos digo, houve algumas mortes e renascimentos no decorrer do período. Numa vida cabem várias. 

E, citando uma passagem com a voz de trovão do Cidão, os meus heterônimos [perdão, Fernando Pessoa, pela licença nada poética mas, hoje, eu tô super-podendo; afinal parafraseando o (Paulo) Bonfá, só haverá uma sexta-feira, 19 de janeiro de 2018] me carregaram no colo várias vezes. Aqui vai a relação de alguns destes heterônimos ou personas:

. o eu meu pai - bancou viagens, intercâmbio, sabáticos (?), etc; e, principalmente, deu suporte emocional. Devo tudo a ele.
. o eu Gordura, menino magrelo, recatado, com baixa autoestima. Tadinho!

. o eu Pancho Villa - ganhou até cartaz na escola. Admiro aquele comunistinha idealista.

. o eu Marquinhos - o eu genérico, agridoce.  

. o eu tio Marcos - gosto muito dele; quiçá, meu eu favorito.

. o eu Taz, nervosinho - amo ele.

.o eu Pererinha - meio bobildo, queria colo e guarida e o grupo de peregrinos o acolheu satisfatoriamente.

. o eu bailarina contemporânea - o eu mais transcendente.

. o eu loka - lado cantante desvairado, cortando a Imigrantes a 117 Km/hora (, meu amor, só tens agora os carinhos do motor).

. o eu Euler (alusão ao ex-jogador de futebol, "o filho do vento", que corria até acabar o campo) - depois de muitas corridas no curriculum (meias-maratonas do Rio, São Silvestres, etc.), percebeu que correr é entediante.

. o eu Mauro Jorge - me libertou, definitivamente,  da postura séria de analista de sistemas, no trabalho. Grato, Donizettis, pelo batismo.

. o eu BVV - Bixa Véia Vingativa; reclamão e indignado, grita dentro de mim o tempo todo; difícil calar esta BVV, amigx!

. o eu nobre cavalo - servo fiel da Larissa; eu nasci para servir, atuando no background e nos backstages da vida.

. o eu aspirante a mãe de miss - livremente inspirado num episódio do Seinfeld, no qual o Kramer assume às vezes do tipo. No meu caso, infelizmente não decolou porque a "filha da mãe de miss" achava estranha a ideia de uma mãe na condição de um homem. Ah! Estas crianças conservadoras de hoje em dia ...

. o eu adolescente-resplandescente – todo pimpão, no Canadá. Tão convincente no perfil, que seu amigo chinês se sentiu traído, quando revelei minha idade (33) à época. O eu representativo de um dos mais importantes turning-points da minha vida.

. o eu blogueiro - este aki; como um Red Bull, me deu asas. Me faz sentir um desconcertante Ricardinho levantando bolas impossíveis, um Deeplick pilotando insanamente pickups em viradas iradas ou um Jack Bouer fazendo em 24 horas mais do que um exército num mês. Eu tenho a força, ou melhor, eu tenho um teclado!

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Algumas destas personas ainda existem (ou resistem), outras existiram. Outras ficaram datadas num período ou perdida num grupo que desapareceu da minha vida. A Rita Lee resume (quase tão bem quanto o Confete) estas "Coisas da Vida"  ...

Qual é a moral?
Qual vai ser o final
Dessa história?
Eu não tenho nada pra dizer
Por isso digo
Que eu não tenho muito o que perder
Por isso jogo
Eu não tenho hora pra morrer
Por isso sonho
Aaah são coisas da vida
E a gente se olha
E não sabe se vai ou se fica.

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