Marcos Pereira on-line

09 fevereiro 2005

Carnaval, Jung e Los Hermanos


Carnaval me lembra os intermináveis desfiles de escola de samba na avenida da praia, em Santos. Como era angustiante o intervalo de espera entre uma e outra escola! Sem contar o desconforto, o calor. O desfile em si também não me atraía; todas as escolas pareciam iguais. Afinal, qual a diferença entre a ala das baianas de uma escola para a de outra. E a bateria, o que muda de uma para outra? Sei lá eu. Ah! Também tinha as matinês no ginásio do Santos. Quem nos levava era a animadíssima tia Bernadete (Deus lhe ‘potreja’); esta sim, uma foliona de primeira grandeza.

Hoje eu consigo expressar o que sentia e não sabia elaborar logicamente, em forma de pensamento. Achava (e acho) estranho as pessoas mudarem o estado de humor assim, apenas em função de uma data no calendário. É como se a diversão fosse oficializada a um simples comando de voz, do tipo: ‘Atenção galera, agora é hora de todo mundo ficar feliz, encher a cara e liberar geral’. Ou, como eu ouvi lá no concurso de marchinhas de São Luís de Paraitinga: ‘no carnaval todo mundo é de todo mundo e ninguém é de ninguém’. Depois, na quarta-feira, tudo volta ao normal. E nos próximos anos a história se repete, over and over again.

Aí eu fui ver o filme “Jornada da Alma” cuja protagonista é uma moça russa chamada Sabina. O tema do filme é a saga da Sabina que após a morte da irmãzinha ficou lelé da cuca (nova esta gíria, hein!). Quem é escalado para cuidar da moça? Nada mais, nada menos que Carl Jung, o discípulo (e dissidente) mais famoso de Freud. Aplicando métodos modernos para a época, tais como a livre associação, e abolindo as técnicas dolorosas, o tratamento foi um sucesso. A moça recebe alta e decide ingressar no curso de Medicina – na época as doenças ‘da cabeça’ eram tratadas por médicos também - , acatando a sugestão do Jung. Jung era casado e pai fresco, mas cede à paixão e os dois se envolvem numa tórrida relação. E por aí vai. O filme é envolvente e sensível, sem descambar para comoções hollywoodianas – nem chorei! Tecnicamente, a reconstituição de época é bem boa e os atores estão bem caracterizados nos seus papéis. Bom, muito bom! É o tipo de filme do qual a gente sai do cinema preenchido de satisfação.

Qual a relação entre Jung e o carnaval? Jung cunhou duas teorias importantíssimas no desenvolvimento da psicanálise: a sincronicidade e o inconsciente coletivo. O carnaval, no meu simplório ponto de vista, se encaixa bem na segunda teoria. Por definição, inconsciente coletivo é conjunto de crenças e valores que constituem a herança sócio-cultural de um povo. O futebol, por exemplo, é uma paixão nacional (acessem o blog do Figgipi-Andrrè: http://futeblog.weblogger.terra.com.br/). Os meninos já nascem com a camisa de um time e uma bola (além das duas genéticas). O carnaval segue pela mesma trilha.

E, para fechar a intrincada trinca do título, ‘Los Hermanos’. Fazer o quê? Na infância eu gostei de Ângelo Máximo, na adolescência, de ‘Engenheiros do Hawaii’. E hoje, eu simpatizo com algumas coisas do ‘Los Hermanos’. Todos temos uma faceta proibida, escondida lá no íntimo. Guardadas as devidas proporções, a banda hermana conta com um naipe de metais que dá um tempero todo especial aos arranjos, assim como o Cake. A diferença é que a banda americana é despretensiosa. Já a brasileira, faz o gênero ‘somos autênticos e foda-se o resto’. Postura arrogante à parte, tem duas gravações bem bacanas da banda. Uma delas é a cover de ‘Last Nite’ dos Strokes, gravada na rádio Cidade, a rádio rock do Rio. O resultado da versão ‘hermana’ para o já clássico (?) rock do início do século foi muito fiel à original. A outra música é ‘Todo Carnaval Tem Seu Fim’. Aquele trompete - ou seja lá o que for – caiu como uma luva no tom melancólico da letra. E o clipe casa bem com ambas, letra e melodia.

Logo mais este carnaval terá o seu fim. No bojo da blogterapia, concluo que o ‘consciente individual’ tem mais influência sobre a minha pessoa que o inconsciente coletivo do Jung. Não é bom, nem é ruim, apenas é. E há que se respeitar esta característica com o mínimo de sofrimento possível, pois ele (o sofrimento) é inevitável. Anyway, o foco deve estar no prazer e não na dor.


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P.S.: Pra não dizer que não gosto de carnaval, eu gosto daquele das cidades menores, onde a alegria parece ser uma extensão natural do dia-a-dia. Também gosto daquele carnaval romântico, retratado nas chanchadas da Atlântica, volta e meia reprisadas na TV Cultura.

P.S.-hermano:

‘(...) Deixa eu brincar de ser feliz,
Deixa eu pintar o meu nariz (...)’

P.S.-literato:

‘Não sei Dançar’ - Manuel Bandeira
.
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...
Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.
Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também.
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!
Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.
Mistura muito excelente de chás...
Esta foi açafata...
- Não, foi arrumadeira.
E está dançando com o ex-prefeito municipal:
Tão Brasil!
De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil...
Há até a fração incipiente amarela
Na figura de um japonês.
O japonês também dança maxixe:
Acugelê banzai!
A filha do usineiro de Campos Olha com repugnância
Para a crioula imoral,
No entanto o que faz a indecência da outra
É dengue nos olhos maravilhosos da moça.
E aquele cair de ombros...
Mas ela não sabe...
Tão Brasil!
Ninguém se lembra de política...
Nem dos oito mil quilômetros de costa...
O algodão do Seridó é o melhor do mundo?... Que me importa?
Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos.
A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca.
Eu tomo alegria!

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