Ocasos do acaso ou sincronidades, whatever it is!
Aconteceu em janeiro. Demorei para publicar porque, a cada vez que lia, sentia necessidade de colocar mais detalhes com a intenção de conferir maior precisão ao relato. Parei de tentar e parí assim mesmo como está, sem tirar nem por. Certas impressões são muito individuais e a função do verbo pára por aí, na vã tentativa de materializar na escrita sensações indescritíveis . Here we go...
----------------------------------------------------------------------------------
Coincidências sincrônicas me remetem à imagem de afluentes de um rio que, ao final do curso, convergem para o oceano. Hoje fui assistir a apresentação Cia. Nova Dança 4 chamado “Vias Expressas”. Qual não foi a minha surpresa quando encontrei a Tata Fernandes. Quem é a Tata Fernandes? Há uma semana eu não saberia a resposta.
Fiz um exercício de regressão para buscar a origem do fio condutor que me levou àquela apresentação. Marco zero: uma quarta-feira qualquer em que fui ao clube Homs para a minha confissão quinzenal. Aproveitando a proximidade, almocei no restaurante japonês do Extra da Brigadeiro. Enquanto aguardava o prato, folheava a Vejinha. A matéria de capa versava sobre atividades físicas alternativas às tradicionais academias de ginástica. Me chamou a atenção a proposta do Estúdio Nova Dança. Pois bem, anotei o endereço no verso do CV (comprovante de venda) e guardei na carteira. Meses depois (semana passada), liguei para lá a fim de saber mais detalhes. Após uma breve explicação, a moça do telefone me falou sobre o “Vias Expressas”. Segura aí esta ponta da história na memória.
Algumas semanas atrás, zapeando a TV, me ative a uma minissérie cativante, um misto de vários contos do folclore brasileiro condensados numa história. Aos poucos a carismática menina Maria desafiando o ‘Coisa Ruim’ foi me ganhando. O ponto alto da trama se deu quando o ‘Coisa Ruim’, interpretado pelo Estênio Garcia, duelou num repente (uma espécie rap nordestino, ou seria o contrário?) com a pequena Maria. E quem ditava o ritmo do pandeiro? O personagem Zé Candeia. Ah! O ‘Coisa Ruim’ se engasgou com as palavras e a Maria venceu o duelo. Como prêmio, o Zé Candeia teve devolvida a sua sombra, que havia sido confiscada em troca de um sanduíche. Segura esta outra ponta.
Quinta-feira, 20 de janeiro de 2005. Embacei pra caramba em casa e acabei saindo lá pelas 12:23h para as minhas merecidas e minguadas férias de meia-semana. Estava atrasado e ainda precisava passar na ‘embaixada’ da (ex) União Soviética para pegar o meu saco de dormir. No caminho, sintonizei os programas do horário no rádio: o “Pânico” na Jovem Pan e o “Vozes do Brasil” na Eldorado. No Pânico a convidada era uma argentina ex-big brother, detentora de uma voz estridente irritantíssima. Contrastando diametralmente, no “Vozes”, a Ceumar com a sua afinada e doce voz, dava uma canja, acompanhada do grupo “Canto de Cozinha”. Eles estavam na rádio para divulgar o show a ser realizado naquele fim-de-semana. Que demais! Numa das músicas, um dos integrantes do grupo declamou a historinha de um moço que espiava as mercadorias de uma loja, daquelas que vende de tudo, de comida a CDs. No meio das prateleiras ele encontrou e se encantou com um livro de sonetos de Shakespeare. Mas o dinheiro que o moço contava no bolso era a quantia justa para o pagamento do aluguel que estava por vencer e, coincidentemente também era o preço do livro. Ó dúvida cruel! Shakespeare ou o aluguel? O moço optou por Shakespeare. Naquela noite ele não saberia se teria nova guarida, mas pelo menos a sua alma dormiria mais leve. Bela e romântica escolha! Por estas e outras gratas surpresas eu ainda continuo fanático pelo meio rádio. O simples click de um botão é capaz de estabelecer uma conexão para o mundo mágico da imaginação.
Voltando à Terra, eu segui adiante rumo ao litoral norte. Naquela noite pousei no albergue de Maresias e, na manhã seguinte, rumei mais para o norte. Subi a serra de Ubatuba com o cu na mão, pois aquela estrada é cheia de curvas-cotovelo, bastante íngremes e ainda por cima uma serração nebulosa dificultava a visão. Com o coração palpitante cheguei no meio da serra e aportei em São Luis do Paraitinga, uma aprazível cidade que parece ter sido construída com kits de brinquedo. Lá a arquitetura é mais horizontal que vertical; os raros prédios têm poucos andares e as casas, coladas umas nas outras, são bastante coloridas. Como naquelas cidades do velho oeste, os pontos comerciais e órgãos públicos são identificados com letreiros toscos, em madeira, com dizeres tais como “Delegacia de Polícia” e “Bar do Roberto”. Para minha sorte, naquela sexta-feira começava o tradicional concurso de marchinhas que antecede o carnaval na cidade. O tempo estava instável, sujeito a chuvas e trovoadas no decorrer do período. Choveu, parou, choveu, parou, mas o público não arredou pé e o concurso continuou noite adentro. No dia seguinte já era sábado e optei por ir para Santos via Rio-Santos. Subvertendo um pouco a letra do rei Roberto, o Carlos, o súdito aqui arrisca os versos a seguir: ‘Se você pretende saber quem eu sou, eu posso lhe dizer. Entre no meu carro e na estrada Rio-Santos você vai me conhecer...’. Esta estrada foi palco de um período de descobertas rodoviárias por mim e pelo meu amigão Flexa. Por sinal, demos muito carona, mas não comemos ninguém.
No domingo eu já estava de volta a São Paulo. Cuecas e mais cuecas lavadas depois, fui ao Centro Cultural assistir a Ceumar e o grupo “Canto de Cozinha” e, vejam só quem era o moço que declamou a historinha dos sonetos de Shakespeare? O Gero, o mesmo que interpretou o “Zé Candeia” da minissérie “Um Dia de Maria”. Além de ator o cara também investe na seara musical. No repertório da apresentação não esqueço de uma música que dizia assim: ‘Polícia não persiga os bichos de pelúcia”, com direito a citação de “Polícia” dos Titãs. Outra: “A liberdade, a liberdade, a liberdade é do tamanho da corrente”. Saí de lá em estado de êxtase. ‘Canto de Cozinha’, o nome do grupo, não é um nome gratuito, trata-se de um trocadilho. Parte dos instrumentos musicais do grupo são utensílios de cozinha. Por exemplo, um garfo batendo no prato como que espumando um ovo para fazer omeletes ou um bule despejando água numa bacia. O melhor é que o resultado sonoro soava musicalmente agradável aos ouvidos, sem aquelas esquisitices típicas de experimentalismos vazios.
Aí hoje, quase uma semana depois, eu fui ver o espetáculo “Vias Expressas” da “Cia. Nova Dança 4”. À medida que adentrava no espaço, uma voz familiar se descortinava por entre as salas do Estúdio Nova Dança. E quem estava lá cantando “Liberdade, liberdade, liberdade”? Ora bolas! Ela, a minha musa do mês de janeiro, a Tata Fernandes, autora das músicas destacadas acima. A Tata participou da parte musical do “Vias Expressas”, um espetáculo músico-teatral-dinâmico-performático-itinerante, em que os atores passeiam pelas várias salas do espaço, criando cenas improvisadas. E o público acaba participando, ao acompanhar as várias performances que vão se desenrolando pelos ambientes. Muito movimento, música, conversas às vezes esquisitas e desconexas, outras cabeça e profundas e outras engraçadas. No final, eu estava tão deslumbrado com a apresentação que venci a timidez e abordei a Tata Fernandes para expressar a minha admiração pelo trabalho dela.
This is it! Nesta longa estrada da vida (vou correndo e não posso... pppparar), quando o improvável e o imponderável assumem o comando, situações a princípio isoladas podem construir um belo mosaico. Uma minissérie aqui, um programa de rádio acolá e, no final, as partes se juntaram e deram um colorido todo especial àqueles dias.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial