Marcos Pereira on-line

23 maio 2005

Ocasos do acaso ou sincronidades, whatever it is!

Aconteceu em janeiro. Demorei para publicar porque, a cada vez que lia, sentia necessidade de colocar mais detalhes com a intenção de conferir maior precisão ao relato. Parei de tentar e parí assim mesmo como está, sem tirar nem por. Certas impressões são muito individuais e a função do verbo pára por aí, na vã tentativa de materializar na escrita sensações indescritíveis . Here we go...
----------------------------------------------------------------------------------

Coincidências sincrônicas me remetem à imagem de afluentes de um rio que, ao final do curso, convergem para o oceano. Hoje fui assistir a apresentação Cia. Nova Dança 4 chamado “Vias Expressas”. Qual não foi a minha surpresa quando encontrei a Tata Fernandes. Quem é a Tata Fernandes? Há uma semana eu não saberia a resposta.

Fiz um exercício de regressão para buscar a origem do fio condutor que me levou àquela apresentação. Marco zero: uma quarta-feira qualquer em que fui ao clube Homs para a minha confissão quinzenal. Aproveitando a proximidade, almocei no restaurante japonês do Extra da Brigadeiro. Enquanto aguardava o prato, folheava a Vejinha. A matéria de capa versava sobre atividades físicas alternativas às tradicionais academias de ginástica. Me chamou a atenção a proposta do Estúdio Nova Dança. Pois bem, anotei o endereço no verso do CV (comprovante de venda) e guardei na carteira. Meses depois (semana passada), liguei para lá a fim de saber mais detalhes. Após uma breve explicação, a moça do telefone me falou sobre o “Vias Expressas”. Segura aí esta ponta da história na memória.

Algumas semanas atrás, zapeando a TV, me ative a uma minissérie cativante, um misto de vários contos do folclore brasileiro condensados numa história. Aos poucos a carismática menina Maria desafiando o ‘Coisa Ruim’ foi me ganhando. O ponto alto da trama se deu quando o ‘Coisa Ruim’, interpretado pelo Estênio Garcia, duelou num repente (uma espécie rap nordestino, ou seria o contrário?) com a pequena Maria. E quem ditava o ritmo do pandeiro? O personagem Zé Candeia. Ah! O ‘Coisa Ruim’ se engasgou com as palavras e a Maria venceu o duelo. Como prêmio, o Zé Candeia teve devolvida a sua sombra, que havia sido confiscada em troca de um sanduíche. Segura esta outra ponta.

Quinta-feira, 20 de janeiro de 2005. Embacei pra caramba em casa e acabei saindo lá pelas 12:23h para as minhas merecidas e minguadas férias de meia-semana. Estava atrasado e ainda precisava passar na ‘embaixada’ da (ex) União Soviética para pegar o meu saco de dormir. No caminho, sintonizei os programas do horário no rádio: o “Pânico” na Jovem Pan e o “Vozes do Brasil” na Eldorado. No Pânico a convidada era uma argentina ex-big brother, detentora de uma voz estridente irritantíssima. Contrastando diametralmente, no “Vozes”, a Ceumar com a sua afinada e doce voz, dava uma canja, acompanhada do grupo “Canto de Cozinha”. Eles estavam na rádio para divulgar o show a ser realizado naquele fim-de-semana. Que demais! Numa das músicas, um dos integrantes do grupo declamou a historinha de um moço que espiava as mercadorias de uma loja, daquelas que vende de tudo, de comida a CDs. No meio das prateleiras ele encontrou e se encantou com um livro de sonetos de Shakespeare. Mas o dinheiro que o moço contava no bolso era a quantia justa para o pagamento do aluguel que estava por vencer e, coincidentemente também era o preço do livro. Ó dúvida cruel! Shakespeare ou o aluguel? O moço optou por Shakespeare. Naquela noite ele não saberia se teria nova guarida, mas pelo menos a sua alma dormiria mais leve. Bela e romântica escolha! Por estas e outras gratas surpresas eu ainda continuo fanático pelo meio rádio. O simples click de um botão é capaz de estabelecer uma conexão para o mundo mágico da imaginação.

Voltando à Terra, eu segui adiante rumo ao litoral norte. Naquela noite pousei no albergue de Maresias e, na manhã seguinte, rumei mais para o norte. Subi a serra de Ubatuba com o cu na mão, pois aquela estrada é cheia de curvas-cotovelo, bastante íngremes e ainda por cima uma serração nebulosa dificultava a visão. Com o coração palpitante cheguei no meio da serra e aportei em São Luis do Paraitinga, uma aprazível cidade que parece ter sido construída com kits de brinquedo. Lá a arquitetura é mais horizontal que vertical; os raros prédios têm poucos andares e as casas, coladas umas nas outras, são bastante coloridas. Como naquelas cidades do velho oeste, os pontos comerciais e órgãos públicos são identificados com letreiros toscos, em madeira, com dizeres tais como “Delegacia de Polícia” e “Bar do Roberto”. Para minha sorte, naquela sexta-feira começava o tradicional concurso de marchinhas que antecede o carnaval na cidade. O tempo estava instável, sujeito a chuvas e trovoadas no decorrer do período. Choveu, parou, choveu, parou, mas o público não arredou pé e o concurso continuou noite adentro. No dia seguinte já era sábado e optei por ir para Santos via Rio-Santos. Subvertendo um pouco a letra do rei Roberto, o Carlos, o súdito aqui arrisca os versos a seguir: ‘Se você pretende saber quem eu sou, eu posso lhe dizer. Entre no meu carro e na estrada Rio-Santos você vai me conhecer...’. Esta estrada foi palco de um período de descobertas rodoviárias por mim e pelo meu amigão Flexa. Por sinal, demos muito carona, mas não comemos ninguém.

No domingo eu já estava de volta a São Paulo. Cuecas e mais cuecas lavadas depois, fui ao Centro Cultural assistir a Ceumar e o grupo “Canto de Cozinha” e, vejam só quem era o moço que declamou a historinha dos sonetos de Shakespeare? O Gero, o mesmo que interpretou o “Zé Candeia” da minissérie “Um Dia de Maria”. Além de ator o cara também investe na seara musical. No repertório da apresentação não esqueço de uma música que dizia assim: ‘Polícia não persiga os bichos de pelúcia”, com direito a citação de “Polícia” dos Titãs. Outra: “A liberdade, a liberdade, a liberdade é do tamanho da corrente”. Saí de lá em estado de êxtase. ‘Canto de Cozinha’, o nome do grupo, não é um nome gratuito, trata-se de um trocadilho. Parte dos instrumentos musicais do grupo são utensílios de cozinha. Por exemplo, um garfo batendo no prato como que espumando um ovo para fazer omeletes ou um bule despejando água numa bacia. O melhor é que o resultado sonoro soava musicalmente agradável aos ouvidos, sem aquelas esquisitices típicas de experimentalismos vazios.

Aí hoje, quase uma semana depois, eu fui ver o espetáculo “Vias Expressas” da “Cia. Nova Dança 4”. À medida que adentrava no espaço, uma voz familiar se descortinava por entre as salas do Estúdio Nova Dança. E quem estava lá cantando “Liberdade, liberdade, liberdade”? Ora bolas! Ela, a minha musa do mês de janeiro, a Tata Fernandes, autora das músicas destacadas acima. A Tata participou da parte musical do “Vias Expressas”, um espetáculo músico-teatral-dinâmico-performático-itinerante, em que os atores passeiam pelas várias salas do espaço, criando cenas improvisadas. E o público acaba participando, ao acompanhar as várias performances que vão se desenrolando pelos ambientes. Muito movimento, música, conversas às vezes esquisitas e desconexas, outras cabeça e profundas e outras engraçadas. No final, eu estava tão deslumbrado com a apresentação que venci a timidez e abordei a Tata Fernandes para expressar a minha admiração pelo trabalho dela.

This is it! Nesta longa estrada da vida (vou correndo e não posso... pppparar), quando o improvável e o imponderável assumem o comando, situações a princípio isoladas podem construir um belo mosaico. Uma minissérie aqui, um programa de rádio acolá e, no final, as partes se juntaram e deram um colorido todo especial àqueles dias.

06 maio 2005

Três letras/símbolos : MDC, MMC, S&M, ELO

O texto abaixo foi originalmente postado na página do grupo `Peregrinos Iluminados` do Yahoo, no ano passado. No bojo dos textos de `feliz aniversário`, reproduzo aqui a mensagem inicial e o texto.

Feliz Aniversário, Elô!!!

---------------------------------------------------------------------

Olá!

Estava fora do ar por motivos de ordem técnica. Felizmente, num esforço concentrado, consegui fazer chegar a mensagem à destinatária-aniversariante ainda a tempo.Escrevi o texto abaixo e dediquei a Elô, a aniversariante-protagonista do oásis-peregrino do qual tive a honra de compartilhar da companhia. Ou melhor, da jam session. Foi escrito de coração, com emoção! Lá vai...


Quinta-feira, 22 de abril de 2004, preliminares de viagem.Momento de fazer o backlog do checklist para o hiking, obedecendo às normas compliance, para conseguir a melhor performance e atingir o goal, no bojo do extreme challenge. Atenção para a chamada: _Necessaire... Aqui! _ Pijama do Pateta... Presente! _Sunga de crochê... Ok! _CDs? Humm! Chega o momento de maior impasse. Quais CDs farão a trilha sonora da viagem? A tecnologia dos MP3 files facilitaram bastante o processo de seleção. Numa única mídia é possível armazenar algumas centenas de músicas. Ainda assim, pouco da minha coleção itinerante está convertida no formato.Da pilha de CDS, fui analisando um a um. Este é cool, aquele é disco-music, o outro punk, aquele outro é mineiro e por aí foi. De repente, deparei-me com um CD que não ouvia há tempos. Trata-se de uma compilação remasterizada dos dois primeiros LPs do “Secos & Molhados” condensados num único CD. O grupo que revelou o Ney Matogrosso data de 1973, em pleno regime militar. Neste contexto histórico brazuca, imaginem um cara com vestes femininas, maquiado, rebolante e cantando com voz fina? Um desbunde total! A música “O Vira” toma de assalto as paradas.

Do alto da minha baixa estatura de criança de 5 anos, lembro do furor que aquele fenômeno musical e comportamental causou no mundode “gente grande”. Na esteira do sucesso do grupo, a TV Record veiculava um comercial em forma de desenho animado, imitando o grupo. A letra do gingle era mais ou menos assim: “A pulguinha dançando iê, iê, o pernilongo mordendo o meu bebê (ui!), e a noite inteira a traça passa, a roer, a roer. Nesta festa preciso por um fim, vou chamarDDDRIM DDDRIM. DDDRIM, DDDRIM, DD-DRIM!”

À mesma época, Raul Seixas genialmente cantava “Tu és o MDC da minha”. Incrível como uma simples sigla carrega consigo algo que mil palavras não retratariam com tamanha concisão e expressividade! Mais ainda porque neste contexto foi empregada de forma diferente da usual. É a tal função poética que desloca o significado da palavra.Plagiando saudavelmente o exemplo, ouso dizer que a música é o MMC da minha vida. MMC é a abreviação para “Mínimo Múltiplo Comum”O MMC é de grande valia para o cálculo de operações aritméticas que envolvem fração; lembram da regrinha “divide pelo de baixo e multiplica pelo de cima”. O cálculo do MMC termina quando todos os algarismos são divididos por eles próprios e, consequentemente redundam no algarismo 1, que é o mínimo múltiplo comum de todos os números. Daí a relação com a música. Inevitavelmente existe uma correlação entre um assunto e uma música. Tudo acaba em música.

Voltemos aos Secos e Molhados. Num dos momentos mais críticos da minha perene existência nesta galáxia, participei de um oásis-peregrino no Caminho do Sol. O oásis-peregrino é uma (louvável) iniciativa do Denys e da Ângela, cujo objetivo é reabestecer aspessoas que estão percorrendo um caminho, com alimento para o corpo e alegria para a alma. Na prática, consiste em montar uma tenda cobrindo uma mesa com comes e bebes, cadeiras, colchonete com direito a massagem e outros adereços afins. Para os peregrinos que estãopercorrendo o caminho, é uma surpresa, um verdadeiro oásis no caminho.

Por uma destas conjunções astrais inexplicáveis no plano darazão, lá estavam, entre alguns terráqueos, a Elô e um médico violeiro. Eu, debaixo da clássica árvore frondosa do caminho, tive o privilégio de ouvir uma jam session comandada por um médico violeiro (ou seria violeiro-médico?). Parecia que o violeiro tinha uma ligação direta entre o cérebro e os dedos, assim como o meu primoFiggipi-Andrè tem conexão direta entre o pensamento e o teclado do micro. O dedilhar do violeiro era um tanto quanto peculiar, como se acariasse as cordas do instrumento. E a Elô resplandecia, dando vazão a sua verve vocal. Havia ali uma cumplicidade cósmica entre osdois. Ela sugeria uma música, ele acompanhava; e vice-versa: ele dava o tom e ela correspondia. Entre Ednardos, Toms e Tarancóns, Secos &Molhados, em especial, me marcou.

Sexta-feira, 23 de abril de 2004, dia da viagem. Depois devários contratempos (desarranjo intestinal, pane mecânica), enfim, consegui cair na estrada. Na pseudo cabine de DJ em que o meu carro se transforma, saquei do saco de CDs o do S&M. Do nada, chorei de emoção ao lembrar daquele domingo do oásis. Passado, presente, tristeza, alegria, vários flashes passaram pela minha mente aos simples acordes de “Sangue Latino”, “O Patrão Nosso de Cada Dia”e “Fala”, entre outras. Em tempos de velocidade, interatividade, tudo ao mesmo tempo agora, foi ótimo, lembrar que o mundo, ainda que por alguns instantes, parou naquele domingo para ouvir a sua voz, Elô. Não havia tempo nem espaço, apenas o momento para desfrutar daquela sensação de prazer.

No bojo da Linguística, no plano do conteúdo (pensamento),dedico este blábláblá a você, Elô. No plano da expressão (matéria) estou “fazendo” o seu presente de aniversário. Naquele dia, você fez a diferença. Sem dúvida, aquele momento foi direto, non-stop, sem escalas, para a minha coleção “gostoso como a vida deve ser”.Feliz aniversário!!! Muitos anos felizes de vida!!!

Marcos Pereira on-line

P.S.: O MMC de ELO, poderia ser a abreviação de Eletric Light Orchestra, uma banda de pop-rock dos anos 70/80 que tocava muito na Difusora.

P.S. II: No seu aniversário, com a devida licença poética-fraternal, ELO poderia ser a abreviação de Eu Love Ocê.

P.S III. 8 de maio é o dia da vitória. E viva Zapata!!! E a luta continua, companheiro(a)(s)!!!

P.S IV: Ela mais uma vez me persegue, a sincronicidade. Acabando de escrever este texto, fiquei sabendo que o CD dos Secos & Molhados está numa lista publicada na revista Playboy. Entre os CDs fundamentais eleitos pelo jornalista Thales de Menezes, S&M é o único nacional. A lista é encabeçada pelo Clash. Sintomaticamente, a revista Zero deste mês traz uma matéria sobre o S&M.

P.S V: Brincando com siglas, S&M teria algo a ver com sado-masoquista?!