Marcos Pereira on-line

20 fevereiro 2005

Beatle Day – Homenagem Póstuma ao Diosni

Diosni. O nome dele era incomum, ele era incomum, éramos incomuns. Ele, meio descoordenado; eu, muito franzino. Nas aulas de educação física, na hora da formação dos times, éramos os últimos a serem escolhidos. Losers? Não! Apenas um pouco desajustados ao meio. Éramos pop precoces numa época em que os adolescentes normalmente jogavam bola, sabiam tudo de carros e motos e competiam no banheiro da escola para ver quem se masturbava mais. Em meio a tudo isto, ficávamos um pouco à margem, pois música era o nosso assunto favorito.

Conheci a discografia dos Beatles através do Diosni. Numa das contracapas dos LPs dos Beatles - se eu não me engano “Os Reis do Iê Iê Iê”, como foi batizado o “Please Please Me” aqui no Brasil - estavam ilustradas as capas de toda a discografia oficial dos Beatles. Aquele era o mapa da “Magical Mistery Tour” pelo fantástico mundo dos primórdios da música pop. De posse do mapa, todo mês ele ia lá na loja “A Musical” da praça Mauá, centro de Santos, comprar uma fita cassete da discografia. Depois de ouvir, ele me emprestava e trocávamos figurinhas a respeito.

Cursávamos, então, a 7ª série da escola Brás Cubas. A professora de inglês encomendou à classe um trabalho de tradução e interpretação de música. O destaque foi a apresentação do grupo do Roni . O afro-black-power-adolescente arranhava um violão e o grupo dele apresentou “Ebony and Ivory”, mega-sucesso da dupla Paul McCartney e Stevie Wonder. Qual música escolhemos? Ora bolas, não poderia ser outra senão uma dos “Fab Four”. O meu grupo éramos o Diosni, Mauro, Zé Roberto e eu. O Diosni e o Zé não se bicavam e viviam se agredindo. Pela facilidade da letra, escolhemos a música “All My Loving”. Esta o Diosni ainda não tinha adquirido. Então, alguém conseguiu o LP que continha a dita cuja e fomos lá pra casa do Zé Roberto, na rua Visconde de Farias (bairro Campo Grande, província de Santos). O Zé era de uma família burguesa e o irmão dele tinha uma puta aparelhagem de som Gradiente e Polivox. Gravamos a música numa fitinha BASF 60.

13 de setembro de 1981. É chegado o dia da apresentação do trabalho. Óbvio que a apresentação acústica e ao vivo de “Ebony And Ivory” ganhou a professora. Todos os grupos que viriam depois teriam a árdua tarefa de cumprir tabela. Não fugimos à regra. Como aspirantes a beatlemaníacos, pelo menos naquele momento o Diosni e eu carregamos o time, ou melhor, o grupo nas costas. Principalmente porque a gravação de “All My Loving” é naquela linha de estéreo bem primário, em que num canal ficam os vocais e, no outro, os instrumentos. Quando tocado num aparelho mono, como aconteceu na sala de aula, a sobreposição dos canais direito e esquerdo produzem um efeito que lembra arranjo de karaokê, ou seja, os instrumentos “vêm” pra frente e os vocais ficam lá no fundo. Resultado: tosqueira total. As nossas vozes desafinadas e erros de pronúncia foram flagrantes. No final da apresentação, a sensação foi um misto de alívio com dever cumprido.

Começa 1982 e caímos na mesma classe, a 8ª A. De colega de escola, o Diosni se tornou meu amigo e até se aproximou da minha família. Antes da aula, ele passava lá em casa e fazia um social com os meus pais e minha irmã. Tudo caminhava bem até que, no início do 2º semestre, ele faltou vários dias seguidos na escola. Preocupado, fui atrás de notícias e fico sabendo da sua internação. Diagnóstico: disfunção renal. Como amigo mais próximo, naturalmente acabei me tornando o porta-voz, para a classe, da evolução do quadro clínico. A 8ª série encerrou um ciclo de forma tristonha. Comecei o colegial um tanto solitário: escola nova, gente nova, mundo novo e o melhor amigo em estado terminal.

Do hospital, a pedido dos seus pais, o Diosni foi levado pra casa. Passei alguns dias paralisado, sem coragem de visitá-lo. Quando decidi ir, era tarde demais. Como costumam dizer para as crianças, quando alguém morre, ele havia viajado no dia anterior. O Diosni veio a falecer no dia 20 de fevereiro de 1983 de insuficiência renal. Instituí no meu calendário esta data como o “Beatle Day”. Meses depois o meu pai viria a falecer. Tudo isto acontecendo e eu só tinha 15 aninhos. Pobre Marcão! ‘Help, I need somebody!’ Ops, texto póstumo não necessariamente precisa ser triste. Vâmo dá uma chacoalhada, isso aqui tá muito mexicano, só faltava o cão de estimação da família morrer. E o Lobo morreu mesmo. Bom, estes e outros episódios serão publicados em detalhes (tão pequenos de nós dois) na minha biografia não-autorizada. Ou não! Ou sim, haja vista que a negação da negação é a afirmação inicial. E menos com menos dá mais. E um mais um é zero e vai um, na álgebra booleana.

Afinal, o que acontece no ‘Beatle Day’? Simples, os meus players tocam Beatles à exaustão. Esta é a forma que encontrei para homenagear, é a minha prece silenciosa para o Diosni. Em algum canto do Universo ele deve estar pedindo autógrafo ao John Lennon e ao George Harrison. Diosni, obrigado pela sua efêmera, mas importantíssima passagem por este planetinha e pela minha vida.

Feliz 'Beatle Day'!

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P.S.
Este texto-diário lavou a minha alma e o teclado do micro.
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P.S.II
Em 1988, depois de passar um ano em São Paulo, voltei para Santos. Nos fins de semana havia um espaço na cidade para novas bandas se apresentarem (Concha Acústica, canal 3). Predominavam as bandas de rock. Eu batia o ponto lá todos os domingos. Certo dia, no meio da galera, encontrei o Zé Roberto trajando jaqueta de couro com visual motorcycle. Não via o cara desde o ginásio. Ele tinha virado roqueiro e fã incondicional do AC/DC e, para minha surpresa, lembrou do Diosni com uma reverência toda especial, como quem se lastimasse por deixar passar em branco a oportunidade de compartilhar mais de perto da companhia de um cara muito legal.
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P.S III
Dos 4 beatles, o menos brilhante e o mais bacana, para mim, é o Ringo Starr. Ele entrou para os Beatles aos 45 do segundo tempo da prorrogação para substituir o Pete Best, por determinação do manager George Martin. Sorte nossa! O Ringo é daqueles coadjuvantes que só dignifica os protagonistas, sem ciumeiras de qualquer ordem. O cara é muito bem humorado e boa praça, até fez uma ponta num episódio dos Simpsons. A voz anasalada do Ringo caía muito bem em músicas divertidas, tais como “Octopus´s Garden” e “Yellow Submarine”. Sem esquecer da primorosa interpretação de ‘With a Little Help From My Friends’, em que o Ringo encarna Billy Shears, nome criado para rimar com ‘years’.
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P.S. IV
No bojo do flashback sentimental, lembrei de uma música de 1981 da Jane Duboc, hoje talvez mais conhecida como a mãe do esquisito Jay Vacquer. A música tem um verso que diz assim:
"É preciso que um dia se vá pra que outro dia amanheça".
Complemento com estes:
“The life goes on.
The show must go on.”

14 fevereiro 2005

Music and Me – Marcos Pereira por Marcos Pereira, episódio I

Em 2003 participei de um grupo de biodança. Como tradicionalmente acontece, no mês de julho é realizado um sarau lá no espaço.

O texto abaixo foi escrito para o evento. Ao final da leitura, paguei o maior mico. Para ilustrar o texto, ousei cantar e coreografar ‘Killing Me Softly With His Songs’ em cima da releitura do Fugees para o clássico da Robert Flack. Por uma destas coincidências astrais, a minha apresentação foi a última e já passava da meia-noite. Portanto, era 13 de julho, dia mundial do rock. Comentei sobre a data e, para encerrar o Sarau com chave de ouro, convoquei diretamente do CD “Perakaya n´Gandaya” o Smash Mouth para cantar “All Star”. Esta música é daquelas que levanta até defunto. Todos caíram na gandaia. Foi um final apoteótico; simplesmente mágico.

P.S.: dedico este texto ao Paulinho, o primo do TKR, citado lá embaixo. Infelizmente ele se desviou por caminhos tortuosos na vida. Mas hoje é o aniversário dele e prefiro lembrar da imagem do Paulinho playboy.

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Era 1967. Eis que surge um gameta alienígena, vindo de um distante planeta da galáxia de Orion, tomando de assalto a Via Láctea, e invade a atmosfera terrestre. Naquele ano aconteceu o Monterey Festival que abriu espaço para que houvesse o Woodstock (69). Sgt. Peppers tinha sido lançado em 20 de setembro, inaugurando uma nova fase na música pop: o álbum-conceito. Meses depois, em 68, cá estou neste mundo. Eram tempos mágicos: 1968, o ano que não terminou, como atesta o título de um livro. Na França, o movimento estudantil abala as estruturas do mundo acadêmico. Nos Estados Unidos, as passeatas contra a Guerra no Vietnã, colocam em xeque as reais necessidades de uma guerra tola. Enfim, o mundo passava por um momento mágico; revolucionário no sentido de transformador de idéias.

Voltando a mim, aporto num velho chalé do Caminho do Asilo, numa cidadezinha praiana (Santos). Das lembranças que eu tenho, achava tudo muito estranho, mas havia uma coisa que me emocionava, tocava forte, que me fazia transcender: a música. Meu tio Mané chegou a fazer uma vitrola de madeira com disco de jornal para eu brincar. Pressionado emocionalmente pela situação, meus pais compram uma vitrola Philips. Sou apresentado à Sua majestade, o rei do Baião, Luiz Gonzaga. Segundo a minha mãe, eu acordava e dormia nos braços dela ouvindo o rei. Vou crescendo e os meus primos Paulinho e Regina me introduzem ao mundo pop; as rádios da moda eram a Excelsior, a máquina do som e a Difusora. Depois surgem as proles, as FMs nos moldes que conhecemos hoje. O Paulinho tinha um toca-fita TKR, verdadeira coqueluche da época. Eu simplesmente delirava quando ele apertava o botão power do módulo de potência Infinity ligado ao TKR.

Aos 13, ganho o meu suado rádio-gravador – o primeiro rádio-gravador a gente nunca esquece. Entro para o coral da escola e logo, gentilmente, sou convidado a me retirar, pois cantava (canto) mal à beça. Não desisti e aos 17 compro um walkman de 2ª mão com a grana do bico de copeiro que fazia no buffet Juliana. Ao mesmo tempo, com o advento do Plano Cruzado, minha mãe me presenteia com uma Caloi 10 (também de 2ª mão) para substituir a Barra Circular herdada do meu irmão, que fôra roubada. Parênteses: roubaram também a Caloi 10 e eu chorei muito. Tempos legais aqueles, literatura, vôlei, bike e mar. E lá vou eu, com e sem as duas mãos, pedalando, cantando e seguindo as canções. Percebi ali uma nova forma de me relacionar com a música. Eu cantando by myself. Abriu-se uma nova possibilidade diante dos meus olhos, eu podia cantar em movimento, sentindo o Sol, a chuva e a brisa no rosto e, dentro do meu mundo altista, ninguém me ouvia.

Muitas rotações e algumas translações em torno do Sol depois, eu viro gente grande e compro um carro para poder instalar o som e correr mundo, correr perigo, viver. Hoje me considero um realizado cantor de interior, de interior de automóvel. Sigo tocando em frente, correndo e cantando as canções que fazem pra nós, buscando a companhia de pessoas que se revelam bonitas, sem máscaras e que queiram compartilhar a vida, gostosa como ela deve ser.

Concluindo, deputado, momentos de crise sempre haverá e muitas vezes são necessários. Mas, no frigir dos ovos, os bons momentos compensam os difíceis, com certeza. Eu acredito piamente nisto. TO BE CONTINUED, anytime, anywhere.

13 fevereiro 2005

Manifesto pela unidade da latino América - inspirado em, e remixado com futebol e cinema

Para entender o texto no contexto, 3 episódios foram remixados para produzí-lo, na minha mente demente, mas que não mente... just a little bit. Here we go:

1a) Brasil x Argentina, a rivalidade, 1b) “Pelé x Maradona”, a votação;
2) “Diários de motocicleta”, o filme;
3) Latino América, o continente.

A rivalidade entre portenhos e brazucas é bastante alimentada pela imprensa esportiva futebolística. Alguns anos atrás, um dos pontos bastante polêmicos sobre a questão, foi a votação, via site da FIFA, do melhor jogador de futebol da história. Maradona venceu. Dentro das raias da razão, é incontestável que Pelé é o rei do futebol; não há discussão plausível a respeito. Só de ver o trailer do novo filme-documentário sobre Pelé, dá pra sacar a genialidade do afro-brasileirão (negão).

Não obstante, Maradona foi um dos maiores. Em 86, junto com mais 10, ele ganhou a copa do mundo para a Argentina. Quem não se lembra do gol antológico, quando Don Diego, partindo da lateral direita, na altura do círculo central, foi avançando e driblando todos que se interpunham à sua frente, para culminar com um leve toque, deixando a bola morrer mansa no fundo das redes? E que golaaaaaaaaço! Tentaram dar contornos revanchistas àquela vitória, já que o jogo foi contra a Inglaterra, para quem a Argentina havia perdido a guerra das Malvinas. Besteira! Era só um jogo de futebol. No Jornal Nacional daquela noite, Armando Nogueira cometeu um texto meloso , de uma pieguice à toda prova. De tão babaca, nunca esqueço os versos finais. Depois de tecer mil elogios ao argentino, o jornalista cometeu os seguintes versos: “Amar a Deus, amar a bola, aMaradona”. Habla sério! Arnaldo Antunes não faria pior!

Sobre a votação internética, o resultado até é compreensível, pois as novas gerações, me included, não viram Pelé jogar. Já o Maradona, eu vi. Além das copas do mundo, A TV Bandeirantes era o canal do esporte na década de 80 e transmitia o (à época) badaladíssimo campeonato italiano. Maradona jogava no Napoli e, junto com o brasileiro Careca, formava uma dupla dukaray.

Lembro também da copa de 90. O jogo era Brasil e Argentina. Enquanto vários brasileiros cercavam Maradona, ele simplesmente deu um passe para o Canija (é assim que se escreve?) que estava livre e desimpedido para marcar o gol que eliminou o aborrecido Brasil da geração Lazaroni. A Argentina terminaria como vice-campeã, perdendo a final para a Alemanha. Quem diria? Quatro anos depois, a base daquele time brasileiro, aborrecido e lazarento, mas desta vez eficiente, conquistou o tetra, sob o comando do sósia do Ronald Golias, o Parreira, também conhecido pela alcunha de pé de uva. By the way, ele voltou.

Traçando uma comparação fora das linhas do campo, o Edson é mainstrean, ou politicamente falando, de direta; enquanto Don Diego carrega o estigma de bad boy, ou de esquerda, como se queira. A bem da verdade, esta terminologia está cada vez mais em desuso. A polarização direita/esquerda, nos dias de hoje, é mais ilustrativa que propriamente ideológica.

Mudando o leme para o cinema, lá fui eu, desconfiado, cumprir o dever de casa, qual seja, assistir “Diários de motocicleta”. Fico meio “assim assim” quando o objeto da película é um mito, para muitos um super-herói. É preciso muito cuidado para não macular, ou mesmo banalizar, a imagem de um ícone da história da humanidade. Ou não! Whatever! Só é estranho imaginar, por exemplo, o Superman fazendo cocô ou a Mulher Maravilha de xyku. Para quem não viu, “Diários” é falado em castelhano e ambientado na América do Sul. O argumento do filme é o tour que o jovem Ernesto, pré-Che, e seu amigo fizeram pela América Latina. A fotografia é bonita. Cenas no deserto de Atacama contrastam com o Chile coberto de neve. O filme insinua que ali, o jovem Ernesto desperta para a consciência social. Destaque para a cena em que ele, asmático, bêbado e aniversariante, atravessa o rio a nado para se unir aos leprosos que ficavam separados dos “saudáveis”. Meu herói!

No geral, o filme poderia ser mais rico. Achei um tanto quanto econômico. Só gostei, não gozei. O grande mérito do filme, é promover a imagem e a identidade latina para o mundo. Os europeus trucidaram as civilizações pré-colombianas e este é um fato relevante que não deveria ser esquecido. Ou melhor, esta injustiça deve ser cada vez mais mostrada. Se o continente é rico em miséria é muito em função da ganância mercantilista do império ibérico, que enxergou nestas terras o símbolo do “$”, como naqueles desenhos do Pica-Pau. E viva Zapata! A Amazônia é nossa!

Pairou no ar uma dúvida. Por que na viagem pela América Latina, o jovem Ernesto não planejou passar pelo Brasil? Me parece que o Brasil é um país-continente ilhado dentro do seu próprio território. O nosso país tem esta coisa de estar no continente, mas não compartilhar da cultura. Talvez a língua limite a integração. Enfim, esta é uma questão sócio-cultural-antropológica que foge ao meu entendimento. Se o problema é identidade cultural, ao menos o Che poderia dar um pulinho nos pampas gaúchos, tche! Ah! Já sei! It does makes sense. Antes de ser revolucionário, ele era um argentino.


P.S. I Ai que endurecer-se sem perder la ternura

P.S.II: Pra não dizer que não falei de música, “Mambo no. 5” do Pérez Prado faz parte da trilha.

09 fevereiro 2005

Carnaval, Jung e Los Hermanos


Carnaval me lembra os intermináveis desfiles de escola de samba na avenida da praia, em Santos. Como era angustiante o intervalo de espera entre uma e outra escola! Sem contar o desconforto, o calor. O desfile em si também não me atraía; todas as escolas pareciam iguais. Afinal, qual a diferença entre a ala das baianas de uma escola para a de outra. E a bateria, o que muda de uma para outra? Sei lá eu. Ah! Também tinha as matinês no ginásio do Santos. Quem nos levava era a animadíssima tia Bernadete (Deus lhe ‘potreja’); esta sim, uma foliona de primeira grandeza.

Hoje eu consigo expressar o que sentia e não sabia elaborar logicamente, em forma de pensamento. Achava (e acho) estranho as pessoas mudarem o estado de humor assim, apenas em função de uma data no calendário. É como se a diversão fosse oficializada a um simples comando de voz, do tipo: ‘Atenção galera, agora é hora de todo mundo ficar feliz, encher a cara e liberar geral’. Ou, como eu ouvi lá no concurso de marchinhas de São Luís de Paraitinga: ‘no carnaval todo mundo é de todo mundo e ninguém é de ninguém’. Depois, na quarta-feira, tudo volta ao normal. E nos próximos anos a história se repete, over and over again.

Aí eu fui ver o filme “Jornada da Alma” cuja protagonista é uma moça russa chamada Sabina. O tema do filme é a saga da Sabina que após a morte da irmãzinha ficou lelé da cuca (nova esta gíria, hein!). Quem é escalado para cuidar da moça? Nada mais, nada menos que Carl Jung, o discípulo (e dissidente) mais famoso de Freud. Aplicando métodos modernos para a época, tais como a livre associação, e abolindo as técnicas dolorosas, o tratamento foi um sucesso. A moça recebe alta e decide ingressar no curso de Medicina – na época as doenças ‘da cabeça’ eram tratadas por médicos também - , acatando a sugestão do Jung. Jung era casado e pai fresco, mas cede à paixão e os dois se envolvem numa tórrida relação. E por aí vai. O filme é envolvente e sensível, sem descambar para comoções hollywoodianas – nem chorei! Tecnicamente, a reconstituição de época é bem boa e os atores estão bem caracterizados nos seus papéis. Bom, muito bom! É o tipo de filme do qual a gente sai do cinema preenchido de satisfação.

Qual a relação entre Jung e o carnaval? Jung cunhou duas teorias importantíssimas no desenvolvimento da psicanálise: a sincronicidade e o inconsciente coletivo. O carnaval, no meu simplório ponto de vista, se encaixa bem na segunda teoria. Por definição, inconsciente coletivo é conjunto de crenças e valores que constituem a herança sócio-cultural de um povo. O futebol, por exemplo, é uma paixão nacional (acessem o blog do Figgipi-Andrrè: http://futeblog.weblogger.terra.com.br/). Os meninos já nascem com a camisa de um time e uma bola (além das duas genéticas). O carnaval segue pela mesma trilha.

E, para fechar a intrincada trinca do título, ‘Los Hermanos’. Fazer o quê? Na infância eu gostei de Ângelo Máximo, na adolescência, de ‘Engenheiros do Hawaii’. E hoje, eu simpatizo com algumas coisas do ‘Los Hermanos’. Todos temos uma faceta proibida, escondida lá no íntimo. Guardadas as devidas proporções, a banda hermana conta com um naipe de metais que dá um tempero todo especial aos arranjos, assim como o Cake. A diferença é que a banda americana é despretensiosa. Já a brasileira, faz o gênero ‘somos autênticos e foda-se o resto’. Postura arrogante à parte, tem duas gravações bem bacanas da banda. Uma delas é a cover de ‘Last Nite’ dos Strokes, gravada na rádio Cidade, a rádio rock do Rio. O resultado da versão ‘hermana’ para o já clássico (?) rock do início do século foi muito fiel à original. A outra música é ‘Todo Carnaval Tem Seu Fim’. Aquele trompete - ou seja lá o que for – caiu como uma luva no tom melancólico da letra. E o clipe casa bem com ambas, letra e melodia.

Logo mais este carnaval terá o seu fim. No bojo da blogterapia, concluo que o ‘consciente individual’ tem mais influência sobre a minha pessoa que o inconsciente coletivo do Jung. Não é bom, nem é ruim, apenas é. E há que se respeitar esta característica com o mínimo de sofrimento possível, pois ele (o sofrimento) é inevitável. Anyway, o foco deve estar no prazer e não na dor.


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P.S.: Pra não dizer que não gosto de carnaval, eu gosto daquele das cidades menores, onde a alegria parece ser uma extensão natural do dia-a-dia. Também gosto daquele carnaval romântico, retratado nas chanchadas da Atlântica, volta e meia reprisadas na TV Cultura.

P.S.-hermano:

‘(...) Deixa eu brincar de ser feliz,
Deixa eu pintar o meu nariz (...)’

P.S.-literato:

‘Não sei Dançar’ - Manuel Bandeira
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Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...
Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.
Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também.
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!
Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.
Mistura muito excelente de chás...
Esta foi açafata...
- Não, foi arrumadeira.
E está dançando com o ex-prefeito municipal:
Tão Brasil!
De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil...
Há até a fração incipiente amarela
Na figura de um japonês.
O japonês também dança maxixe:
Acugelê banzai!
A filha do usineiro de Campos Olha com repugnância
Para a crioula imoral,
No entanto o que faz a indecência da outra
É dengue nos olhos maravilhosos da moça.
E aquele cair de ombros...
Mas ela não sabe...
Tão Brasil!
Ninguém se lembra de política...
Nem dos oito mil quilômetros de costa...
O algodão do Seridó é o melhor do mundo?... Que me importa?
Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos.
A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca.
Eu tomo alegria!

06 fevereiro 2005

6 de fevereiro de 1987

6 de fevereiro. Neste mesmo dia, em 1987, portanto há exatos 18 anos, eu recebi a notícia que me conduziria ao primeiro salvo-conduto como habitante da metrópole.

Eu voltava da assistência técnica onde trabalhava como estagiário de técnico em eletrônica. Da janela, a Regina (a aniversariante do texto anterior) me passa o resultado: eu passara no exame para estágio na Eletropaulo. E mais, em primeiro lugar. Não cabia em mim mesmo de tanto contentamento. I’m winning! Um mês depois, vim para cá (São Paulo) morar na casa da tia Billiki. Era tudo novo, era tudo mágico e, porque não dizer, ilusório.

Engraçado é que no ano passado eu embarquei no mesmo ônibus Vila Olímpia que costumava pegar para ir à Eletropaulo. Quando passei em frente ao prédio onde estagiei por 9 meses, da minha cabeça emergiram lembranças de um passado que me parece tão distante. Estranha sensação esta, de outra vida dentro da mesma. A própria Vila Olímpia era apenas um bairro satélite do Itaim Bibi, nada a ver com a ferveção dos dias de hoje.

Se eu viver para assistir à invenção de uma máquina do tempo que possibilite a volta ao passado, eu quero ter a oportunidade de dizer para aquele garoto pra pegar leve e não levar tudo tão a sério, a ferro e fogo. Então eu diria: ‘Slow down, cara! Saboreie os pequenos momentos com mais intensidade. O futuro virá e o que fica são as memórias, como fotografias num álbum’.

Era apenas um garoto com ideais socialistas, que amava os Beatles.

E VIVA ZAPATA!!!

O POVO, UNIDO, JAMAIS SERÁ VENCIDO !!!

A AMAZÔNIA É NOSSA !!!


P.S.-Molotov: Socialismo lembra luta de classes e a música, como expressão de um povo, pode servir de instrumento de contestação à ordem vigente. Esta frase-feita é só pra dizer que ontem, depois de muito tempo, ouvi um CD que gravei lá em Kamloops com músicas da banda méxico-californiana Molotov. A banda é uma espécie de Red Hot Chili Peppers latino. O som do baixo é cheio de ‘estilingadas’, no melhor estilo Flea. Em meio a um ‘cabron’ e um ‘boludo’, consegue-se captar o sentido das letras. Bem legal!

P.S.-momento-Maguila: É! Falando em Kamloops, bateu saudade dos meus amigos latinos que estavam comigo lá em 2001, na UCC. Um abraço para Nelly, Manolo, Ramon, Giuly e Karina.

P.S.-Giuly: ela foi a minha amiguinha peruana favorita. Pequenina (do meu coração) e dócil na aparência, mas um vulcão na personalidade. E gostava de música brasileira. Certa vez, a Giuly pediu que eu traduzisse ‘W-Brasil’ do Jorge Benjor. Tratei de desconversar. Afinal, como explicar a letra de uma música que não se explica, que é uma lista descontinuada de palavras e situações?

P.S.-Nelly: ela foi a minha paixão platônica no Canadá. De fato, havia cumplicidade nas nossas trocas de olhares, since the first time that I saw her.