Marcos Pereira on-line

15 abril 2008

A Isabella e o Remi


O assassinato da menina expõe uma faceta obscura da natureza humana. Casos e mais casos de violência doméstica ocorrem diariamente. A diferença é que este, além dos requintes de crueldade com que foi cometido, aconteceu no seio da classe média. Fosse nas camadas mais miseráveis da população, que vive em condições sub-humanas, o caso provavelmente teria menos repercussão. Afinal, muitos sobrevivem numa realidade degenerada, tendendo a um comportamento mais instintivo que racional.

Quando um crime destes é cometido num mundo, digamos, ‘mais limpinho’, assusta pela proximidade. Poderia ser alguém do trabalho, da escola, do clube. Este episódio mostra que, movido por um descontrole descomunal, potencialmente qualquer um pode praticar um ato bárbaro, independentemente de classe social ou nível intelectual. Óbvio que o fato de envolver a figura inocente de uma criança contribui muito para a revolta das pessoas. Mas, além disto, o que explicaria esta desmedida comoção popular? Talvez exista aí um medo latente e, lançar o casal supostamente culpado à fogueira, seria uma forma de exorcizar e reprimir o monstro indomável que pode aflorar de dentro de cada um.

Já o Remi, do desenho animado Ratatouille, segue o fluxo contrário. Ele nasceu rato, mas a sua natureza é nobre, humana no bom sentido da palavra. Diferentemente de seus pares, ele não age puramente por instinto. Reflete, sente, usa de bom senso. Sua comunidade rejeita este comportamento um tanto estranho para um rato. Então, ele padece de crise existencial: ser ele mesmo ou ser o que esperam que ele seja? No final, o Remi é aceito por todos e se dá bem. Consegue, inclusive, o reconhecimento do crítico gastronômico mais sisudo de Paris.

Ratatouille foi exibido no ‘Festival dos Melhores Filmes de 2007’, no SESC. Relutei em assisti-lo, quando esteve em cartaz nos cinemas, pois não entrava na minha cabeça enxergar um rato dissociado de sua imagem asquerosa. Sim, na ficção isto é possível. E na fantasia de um desenho inocente, a realidade do lado de fora do cinema se tornou mais leve naquela manhã de feriado de terça-feira.