Marcos Pereira on-line

11 dezembro 2016

Para (e sobre) o tio Mané …



Tio Mané e eu,

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Nota do blogueiro
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Hoje faz 1 mês que o tio Mané deixou o planeta. 
À guisa de sincronização, com um 'pequeno' delay, publico o texto abaixo, postado no Facebook. Troquei apenas a foto acima porque a do Facebook já havia sido usada aqui no blog. 
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O meu primeiro aparelho de som que, aliás, não emitia som algum, foi uma vitrolinha de madeira, construída por ele, legítimo discípulo do professor Pardal.

Passei a infância e adolescência jogando bola no quintal da casa dele. Sua posição era o gol. Escolhia para o seu time os melhores atacantes para compensar os frangos que tomava.

Mais adiante, na linha do tempo, veio a sua fase de confinamento num cavernoso quarto claustrofóbico. Quem ousasse abrir a janela ou as portas emperradas, para entrada de luz, era duramente repreendido. Neste improvável ambiente agradável, estabeleceu-se um clima descontraído. Não o lugar em si, mas sim a presença magnética dele atraía as pessoas para o seu convívio. Então, de peladeiros de quintal, passamos a boleiros de ‘caverna’, assistindo, palpitando e comentando os jogos de domingo à tarde.


Já habitando a casa ‘nova’, a tônica dos cafés da tarde, degustados com mandioca, invariavelmente eram os causos de família. Confesso que, depois de 3 minutos de conversa, ou melhor, audição, eu já não sabia mais quem era irmão de quem, casado com outrem, etc. Enfim, o discurso dele descrevia parábolas hiperbólicas deliciosas. O prazer de ouvir sua prosa residia no ritmo e métrica utilizados na fala. A forma da entoação importava mais, que propriamente o conteúdo da história. Sem contar os risos de si próprio e imitações de vozes, todas iguais, beirando falsetes desafinados. Eu me divertia com o divertimento dele.


Nos últimos meses de planeta Terra, ele permanecia a maior parte do tempo deitado. Devido à dificuldade de audição, eu apenas sentava ou deitava ao seu lado. Era o suficiente. A nossa cumplicidade se resolvia apenas na companhia um do outro. Não precisava de palavras. E é justamente esta fase derradeira que merece a minha admiração e respeito por ele. Mais do que serenidade, ele transmitia a sabedoria de quem, consciente de sua condição frágil e da finitude da vida, não se resignava diante das limitações. Ao contrário, demonstrava agilidade de raciocínio e lucidez impressionantes. Fazendo uma analogia com os celulares, era como se ele tivesse ativado um hipotético modo econômico de energia vital. Viagem? Pode ser ... provavelmente o é.


Do mundo real, ele é o único que figura na galeria dos meus super-heróis favoritos (http://mp-online.blogspot.com.br/2014/02/we-can-be-humans-just-for-one-day-feliz.html). Pensando bem, ele transcendeu o mundo real. Virou ícone.


Ora pois, quem é ele?Ele é o tio Mané, que deixou o planeta no dia 11/11/2016, também conhecido como ontem, sexta-feira.Por fim, lanço ao cosmos a seguinte questão ...


E agora, Mané? Quem vai fazer bullying comigo, com a clássica história do pão com manteiga, sorrindo à la Zacarias?